segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Palestra Redes Sociais realizada na ULBRA POA

No último dia 13/11, Silvio Belbute realizou palestra "Redes Sociais - A Sociedade Rede", na ULBRA Porto Alegre, para platéia formada por estudantes e professores, durante a Semana Acadêmica de Ciências Sociais e Serviço Social.
O conteúdo da palestra pode ser baixado neste link: http://www.4shared.com/file/71436140/61bc48f1/RedesSociais_ASociedadeRede_13112008.html

Escolas matam a criatividade? Ken Robinson acha que sim

Vídeo Parte I

Vídeo Parte II

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

TERRORISMO NO BRASIL

CENTRO UNIVERSITÁRIO METODISTA IPA

CURSO DE HISTÓRIA

PRÁTICA PEDAGÓGICA III

PROFESSOR: ELIEZER PACHECO

ALUNO: EVANDRO BARCELLOS GUIMARÃES

TERRORISMO NO BRASIL

O termo Terrorismo significa “uso de violência, física ou psicológica, por indivíduos, ou grupos políticos, contra a ordem estabelecida. Entende-se, no entanto, que uma dada ordem pública também possa ser terrorista na medida em que faça uso dos mesmos meios, a violência, para atingir seus fins.

Nos últimos anos, o terrorismo ganhou significados variados e polivalentes. O grande fluxo de informações e/ou imagens geradas por esse tipo de comportamento tem tido grande influência na construção desses significados.

Conforme definição do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, terrorismo é um tipo muito específico de violência, apesar do termo ser usado para definir outros tipos de violência considerados inaceitáveis. Ações terroristas típicas incluem assassinatos, seqüestros, explosões de bombas, matanças indiscriminadas, raptos, linchamentos.

Atos terroristas clássicos incluem os ataques de 11 de Setembro de 2001 quando foram destruídas as torres gêmeas em Nova Iorque, assim como ataques a bomba na Irlanda do Norte e Oklahoma.

O terrorismo atual tem crescido entre os alienados devido ao impacto psicológico que ele pode ter no público, graças à extensa cobertura que a imprensa pode dar. Terrorismo é freqüentemente o último recurso dos desesperados, e pode ser usado por grandes ou pequenas organizações. Historicamente, grupos lançam mão do terrorismo quando eles acreditam que os métodos mais pacíficos, como protestos, sensibilização do público, ou declaração de estado de guerra não trazem esperança de sucesso.

Acomunidade internacional reagiu com admirável convergência em suas manifestações de apoio ao povo e ao governo dos Estados Unidos, condenação ao ataque e disposição de agir coletivamente para combater o terrorismo.

Vivemos as repercussões de um acontecimento global.

A globalização, a dramática mudança na incidência do espaço e do tempo em nossas vidas, não eliminou, porém, o dado essencial da geografia.

As Américas têm uma identidade que é múltipla, e nos faz diferentes uns dos outros, mas que é também única, nos aproxima em várias dimensões e nos distingue no contexto mundial.

Embora de forma perversa e doentia, os autores dos ataques terroristas parecem haver compreendido o sentido das transformações que o progresso tecnológico trouxe ao cotidiano da humanidade.

Mais e mais, as relações sociais, econômicas, políticas e culturais se processam por meio de redes que se cruzam nos mais diversos planos.

Há redes visíveis, e redes invisíveis. Redes para o bem, e redes para o mal. Redes criminosas que se valem de canais legítimos e legais. Redes de terroristas cujos atos se destinam a atrair a atenção das redes da mídia global e assim magnificar seu impacto.

Cidadãos de muitos, ou de todos os nossos países sofrem com as ações dessas redes: crime organizado, tráfico de drogas, corrupção, lavagem de dinheiro, violência urbana, assassinatos, terrorismo.

Enfrentarmos os problemas sociais que, em muitos casos, geram ambientes favoráveis ao surgimento e operação dessas redes: pobreza, desigualdade, degradação urbana, desesperança, debilidade dos serviços públicos e carência de recursos tanto para políticas sociais, como para o enfrentamento das ameaças à segurança pública.

E é essencialmente de solidariedade que estamos falando aqui. Solidariedade é um atributo intrínseco do povo brasileiro, dos povos americanos; uma qualidade que se mede nos tempos difíceis, em situações-limite.

Neste momento, é preciso combater essas redes de ódio e corrupção com novas redes de solidariedade.

O governo brasileiro se diz solidário ao povo norte Americano em relação aos atos ocorridos em 11 de setembro de 2001, mesmo assim alguns economistas vêem os impostos brasileiros como atos terroristas. O planeta está estarrecido diante do caos instaurado, por conta dos inaceitáveis e abomináveis ataques terroristas que, a que tudo indica, arrastarão no seu bojo, o mundo todo à bancarrota. O fluxo de capital estrangeiro, do qual depende muito o Brasil, certamente será afugentado por enquanto, pois as empresas americanas estarão segurando o dinheiro. A desaceleração da economia global foi inevitável e visível.

Pensamento Único

A UNIFICAÇÃO DO PENSAMENTO

Nos dias atuais, muitos escritores, pensadores e cientistas de humanas, vem analisando o fenômeno do “Pensamento Único”, estaremos aqui retratando a visão sobre este tema baseados na Obra de Milton Almeida dos Santos, Por uma outra Globalização do Pensamento Único a Consciência Universal.

Milton Santos, afirma que a capitulação dos intelectuais é um fenômeno internacional já antigo e que se agravou com a globalização. Isso de alguma maneira perdura com a democracia de mercado de hoje.

As classes médias são confortáveis de um modo geral. O conforto, como a memória, é inimigo da descoberta. No caso do Brasil isso é mais grave, porque esse conforto veio com a difusão do consumo. O consumo é ele próprio um emoliente, Ele amolece. Os pobres, sobretudo os pobres urbanos, não têm o emprego, mas têm o trabalho, que é o resultado de uma descoberta cotidiana. Esse trabalho raramente é bem pago, enquanto o mundo dos objetos se amplia.

No Pensamento Único a classe média, os prestadores de serviço, ao sentir falta de um produto, faz com que as pessoas se tornem competitivas entre si, e quando percebem que tal desejo é inatingível se conformam o que conseguiram atingir.

A Globalização incita a competição e ao consumo. Muitos profissionais estão perdendo seu espaço no mercado trabalho, devido a tecnologia e falta de qualificação. As ONG’s tem um papel de requalificar estes profissionais e reinserir-los no mercado. Contudo muitos direitos adquiridos como trabalhadores vão ser posto de lado neste novo formado de relação com a prestação do serviço, dentro destes profissionais encontra-se os educadores.

No livro Por uma outra globalização - do pensamento único à consciência universal, Milton Santos observa a globalização sob três óticas: como fábula, perversidade e possibilidade para o futuro. A fábula é propagada por Estados e empresas, que colocam a globalização como fato inevitável. A imposição desse "pensamento único" naturaliza o caráter perverso do fenômeno e constitui o que Milton chamava "violência da informação". A perversidade da globalização se revela na medida em que seus benefícios não atingem sequer um quarto da população mundial, ao custo da pauperização de continentes inteiros. Vista como possibilidade para o futuro, ela passaria a empregar as técnicas de forma mais solidária, de modo a derrubar o globalitarismo -- termo cunhado por Milton que agrega ao conceito de globalização a noção de totalitarismo.

Segundo Milton Santos, a globalização como fábula trata dos discursos oficiais (de Estados e empresas), que nos fazem crer que a globalização é inevitável, um fato econômico e social estabelecido, uma força externa imutável à qual não adianta resistir e à qual nos teríamos de subordinar. É uma verdadeira fábula, que nos querem fazer crer, para silenciar a oposição e acabar com a resistência. Ao tratar da globalização como perversidade, Milton Santos retrata os fatos que acompanham esse estágio último da formação do capitalismo financeiro, gerador da concentração de renda, da pauperização das massas urbanas e de continentes inteiros, mostrando como a globalização perversa ‘‘inclui’’ em seus benefícios menos de um quarto da população mundial. Por isso mesmo, é necessário resistir a ela, reverter o processo que permite a tirania do dinheiro e da hiper-informação, combatendo-se o despotismo dos sistemas fechados da economia e política. Ao mesmo tempo em que detecta as perversões da globalização em curso, Milton Santos detecta a transição em marcha na cultura popular, nas novas formas de conscientização, sugere a dissolução das ideologias, promovendo as utopias.

O livro traz muito a questão dos efeitos da globalização e retrata com muita clareza a preocupação da historiografia da humanidade e no Brasil e a necessidade de se humanizar há atual política econômica globalizante.

Podemos assim, percebermos a analise de um grande intelectual sobre o “Pensamento Único”, baseados na obra de Milton Santos.

Apesar de profunda a sua analise, podemos dar uma outra abordagem, a globalização poderia ser inevitavel se os Estados assim o quisessem, o imperialista do capital é que faz o Estados Federativos se estituiram em detrimnto do capital externo e invenstido menos no interno.

A baixa produção cientifica de alguns paises também contribui para tal desenvolviemto social. A invasão de valores introduzidos pela midia visual e digital, passa a impressão de estarmos num caminho sem volta o da alienação e perda da identidade nacional.

A globalização traz muitos benefícios que poderam se tornarem prejuizo daqui há um determinado tempo.


REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA

CORREIO BRAZILIENSE.1º CADERNO Opinião. Disponível em: http://www2.correioweb.com.br/cw/2001-08-05/mat_48677.htm,acessado em:13 de m,arço de 2006.

Prof. Milton Santos: Pensamento de Combate. Disponível em: http://www.iis.com.br/~rbsoares/geo6.htm,acesso em: 13 demarçode2006.

SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização do Pensamento Único a Consciência Universal. Editora. Record 4ª Ed., 2000.São Paulo



Boa Leitura!
Evandro Guimarães

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

LE GOFF, Jacques. HISTÓRIA E MEMÓRIA

CENTRO UNIVERSITÁRIO METODISTA IPA
CURSO DE HISTÓRIA
TEORIA E PRÁTICA DE MUSEU – 6º SEMESTRE
Profª.: Thais Gomes
Alunos: Cláudio Bandeira, Evandro Guimarães e Luiz Cláudio

FICHAMENTO


LE GOFF, Jacques. HISTÓRIA E MEMÓRIA.

Pg 20. Paul Veyne, finalmente tira uma dupla lição do fundamento do conceito de historicidade. A historicidade permite a inclusão, no campo da ciência histórica, de novos objetos da história: o non-événe- mentiel; trata-se de acontecimentos ainda não reconhecidos como tais - história rural, das mentalidades, da loucura, ou da procura de segurança através das épocas. Chamaremos non-événementiel a historicidade de que não temos consciência enquanto tal (1971, p. 31). Por outro lado, a historicidade exclui a idealização da história, a existência da História com H maiúsculo: "Tudo é histórico, logo a história não existe".
Temos porém de viver e pensar com este duplo ou triplo sentido de "história”. Lutar contra as confusões grosseiras é mistificadoras entre os diferentes significados, não confundir ciência histórica e filosofia da história. Partilho a desconfiança da maior parte dos historiadores de ofício perante essa filosofia da história "tenaz e insidiosa” (Le febvre, 1945-1946), cuja tendência, nas suas diversas formas, é levar a explicação histórica à descoberta ou à aplicação de uma causa única e original, substituir o estudo pelas técnicas científicas de evolução das sociedades, sendo essa evolução concebida como abstração baseada no apriorismo ou num conhecimento muito sumário dos trabalhos científicos.

Pg 21. Penso, pois, que a brilhante demonstração de Paul Veyne ultra- passa um pouco a realidade. Ele pensa que não se trata de um gênero morto, ou que apenas sobreviva nos epígonos de tom um tanto popular", ou que seja um "falso gênero". De fato, "a menos que seja uma filosofia revelada, uma filosofia da história será um duplo da ,explicação concreta dos fatos e remeterá para


Pg 23. [...] A ciência histórica conheceu, desde há meio século, um avanço prodigioso: renovação, enriquecimentodas4écpicas e dos métodos, dos horizontes e dos domínios. Mas, mantendo com as sociedades globais relações mais intensas que nunca, a história profissional e científica vive uma crise profunda. O saber da história é tanto mais confuso quanto mais seu poder aumenta. Paradoxos e ambigüidades da história

A história é uma ciência do passado OU "só há história contemporânea ?

Marc Bloch não gostava da definição "a história é a ciência do passado" e considerava absurda "a própria idéia de que o passado, enquanto tal, possa ser objeto da ciência" (1941-l942.,pp. 32-33). Ele propunha que se definisse a história como "a ciência dos homens tio tempo" (ibidem). Pretendia com isso sublinhar três caracteres da história. O primeiro é o caráter humano. Embora a investigação histórica englobe hoje alguns domínios da natureza (cf. Le Roy Ladurie, 1967), admite-se geralmente que a história é a história humana, e Paul Veyne sublinhou que uma "enorme diferença” separa a história humana da história natural: "O homem delibera, a natureza não; a história humana tornar-se-ia sem sentido se negligenciássemos o fato de os homens terem objetivos, fins, intenções" (1968, p. 424).


Pg 24. A idéia da história dominada pelo presente baseia-se numa célebre frase de Benedetto Croce em La storia come pensiero e comeazione, que sugere que "toda a história" é "história contemporânea. Croce entende por isso que, "por mais afastados no tempo que pareçam os acontecimentos de que trata, na realidade, a história liga-se às necessidades e às situações presentes nas quais esses acontecimentos têm ressonância (1938, p. 5). De fato, Croce pensa que, a partir do momento em que os acontecimentos históricos podem ser repensados constantemente, deixam de estar "no tempo"; a história é o "conhecimento do eterno presente" (Gardiner, 1952). Esta forma extrema de idealismo é a negação da história. Como E. H. Carr notou, Croce


Pg 25. [...] questões ao passado. Perigosa, porque se o passado tem, apesar de tudo, uma existência na sua relação com o presente, é inútil acreditar num passado independente daquele que o historiador constrói.[...] O passado é uma construção e uma reinterpretação constante e tem um futuro que é parte integrante e significativa da história. [...] Novas leituras de documentos, frutos de um presente que nascerá no futuro, devem também assegurar ao passado uma sobrevivência - ou melhor, uma vida, que deixa de ser "definitivamente passado". A relação essencial presente-passado devemos, pois, acrescentar o horizonte do futuro. Ainda aqui os sentidos são múltiplos. As teologias da história subordinaram-na a um objetivo definido como o seu fim, o seu cumprimento e a sua revelação. Isto é verdadeiro na história cristã, absorvida pela escatologia; mas também o é no materialismo histórico (em sua versão ideológica), que se baseia numa ciência do passado, um desejo de futuro não dependente apenas da fusão de uma análise científica da história passada e de uma prática revolucionária, esclarecida por essa análise. Uma das tarefas da ciência histórica consiste em introduzir, por outras vias que não a ideológica e respeitando a imprevisiqilidade do futuro, o horizonte do futuro na sua reflexão (Erdmann, 1964; Schulin, 1973).


Pg 26. Os historiadores do contemporâneo, do tempo presente, ignoram-no. A história contemporânea difere, assim (há outras razões para esta diferença), da história das épocas anteriores.
Esta dependência da história do passado em relação ao presente deve levar o historiador a tomar certas precauções. Ela é inevitável e legítima, na medida em que o passado não deixa de viver e de se tornar presente.
Esta interação entre passado e presente é aquilo a que se chamou função social do passado ou da história. Também Lucien Febvre (1949): "A história recolhe sistematicamente, classificando e agrupando os fatos passados, em função das suas necessidades atuais. É em função da vida que ela interroga a morte. Organizar o passado em função do presente: assim se poderia definir a função social da história (1949, p. 438). E Eric Hobsbawm interrogou-se sobre a "função social do passado" (1972; ver também o artigo "Passado/presente", neste volume).


Pg 27. XVII, porque exaltava a recordação da monarquia francesa, sob a Monarquia de Julho, porque os historiadores liberais e burgueses (Guizot, Augustin Thierry) viam nela uma aliança benéfica entre a realeza e o povo, e entre 1871 e 1914, "como uma primeira vitória dos franceses sobre os alemães"! Depois de 1945, Bouvines cai no desprezo da história- batalha.
Nicole Loraux e Pierre Vidal-Naquet mostraram como, na França de 1750 a 1850, de Montesquieu a Victor Duruy, monta-se uma imagem "burguesa' da Atenas antiga, cujas principais características teriam sido o "respeito pela propriedade, respeito pela vida privada, expansão do comércio, do trabalho e da indústria' e na qual se reencontram as mesmas hesitações da burguesia do século XIX: "República ou Império? Império autoritário? Império .liberal? Atenas assume simultaneamente todas estas figurações" (Loraux e Vidal-Naquet, 1979, pp. 207-8, 222). Entretanto, Zvi Yavetz, interrogando-se sobre as razões pelas quais Roma teria sido o modelo histórico da Alemanha no início do século XIX, respondia:

Porque o conflito entre senhores e camponeses prussianos arbitrado depois de Jena (18O6) pela intervenção reformista do Estado, sob o controle de estadistas prussianos, fornecia um modelo que se julgava reencontrar na história de Roma antiga: Niebuhr, autor da Ró'mische Geschichte, aparecida em 1811-12, era íntimo colaborador do ministro prussiano Stein (1976, pp.289-90).

Pg 27. Na historiografia escrita apareceu, em 1840, uma viragem:. Até então, os historiadores, católicos ou protestantes, só nutriam desprezo por esta revolta de camponeses. Mas, com a Histoire des pasteurs du désertde Napoléon Peyrat (1843), Les prophetes protestants deAmi Bost (1842) e, depois, com a Histoire de France de Michelet (1833- 1867), desenvolveu-se a lenda dourada dos camisards, à qual se opõe uma lenda católica. Esta oposição alimenta-se explicitamente com as paixões políticas da segunda metade do século XIX, levando ao confronto entre partidários do movimento e defensores da ordem, estes erigindo os camisards em antepassados de todas as revoltas do século


Pg 29. Saber e poder: objetividade e manipulação do passado

Segundo Heidegger, a história seria não só a projeção que o homem faz do presente no passado, mas a projeção da parte mais imaginária do seu presente, a projeção no passado do futuro que ele es- colheu, uma história-ficção, uma história-desejo às avessas. Paul Veyne tem razão ao condenar este ponto de vista e dizer que Heidegger "mais não faz do que erigir em filosofia antiintelectualista, a historiografia nacionalista do século passado".
Em primeiro lugar, porque há pelo menos duas histórias, e voltarei a este ponto: a da memória coletiva e a dos historiadores. A primeira é essencialmente mítica, deformada, anacrônica, mas constitui o vivido desta relação nunca acabada entre o presente e o passado. E desejável que a informação histórica, fornecida pelos historiadores de ofício, vulgarizada pela escola (ou pelo menos deveria sê-lo) e pela classe media, corrija esta história tradicional falseada. A história deve esclarecer a memória e ajudá-la a retificar os seus erros. Mas estará o historiador imunizado contra uma doença, se não do passado, pelo menos do presente e, talvez, uma imagem inconsciente de um futuro sonhado?
Deve estabelecer-se uma primeira distinção entre objetividade e imparcialidade:

A imparcialidade é deliberada, a objetividade inconsciente. O historiador não tem o direito de prosseguir Uma demonstração, de defender uma causa, seja ela qual for, a despeito dos testemunhos. Deve estabelecer e evidenciar a verdade 01.1 o que julga ser a verdade. Mas é-lhe impossível ser objetivo, abstrair das suas concepções de homem, nomeadamente quando se trata de avaliara importância dos fatos e as suas relações causais (Génicot, 1980, P.. 112).


Pg 32. Sobre a construção do fato -histórico, encontraremos esclarecimentos em todos os tratados de metodologia histórica (por exemplo, Salmon, 1976, pp. 46-48; Carr, 1961, pp. 1-24; Topolski, 1973, par te V). Citarei apenas Lucien Febvre na sua célebre sessão inaugural no College de France, a 13 de dezembro de 1933: "Dado? Não, criado pelo historiador, e quantas vezes? Inventado e fabricado, com a ajuda de hipóteses e conjecturas, por um trabalho delicado e apaixonante [...] Elaborar um fato é construí-lo.
Ranke acreditava piamente que a divina Providência cuidaria do sentido da História, se ele próprio cuidasse dos fatos [...] A concepção liberal da história do século XIX tinha uma estrita afinidade com a dou- trina econômica do laissez-faire [...] Estava-se na idade da inocência e os historiadores passeavam-se no Jardim do Éden [...] nus e sem vergonha, perante o deus da história. Depois, conhecemos o Pecado e fizemos a experiência da queda e os historiadores que hoje pretendem dispensar uma filosofia da história (tomada aqui no sentido de uma reflexão crítica sobre a prática histórica) tentam simplesmente e em vão, como os membros de uma colônia de nudistas, recriar o Jardim do Éden, no seu jardim de arrabalde (1961, pp. 13-14).
Se a imparcialidade só exige do historiador honestidade, a objetividade supõe mais. Se a memória faz parte do jogo do poder, se autoriza manipulações conscientes ou inconscientes, se obedece aos interesses individuais ou coletivos, a história, como todas as ciências, tem como norma a verdade. Os abusos da história são apenas um fato do historiador, quando este se torna um partidário, um político ou um- lacaio do poder político (Schieder, .1978; Faber, 1978). Quando Paul Valéry declara: “A história é o produto mais perigoso que a química do intelecto elaborou [...] A história justifica o que se quiser.


Pg 34. O singular e o universal: generalizações e singularidades da história

A contradição mais flagrante da história é sem dúvida o fato do seu objeto ser singular, um acontecimento, uma série de acontecimentos, de personagens que só existem uma vez, enquanto o seu objetivo, como o de todas as ciências, é atingir o universal, o geral, o regular.
Já Aristóteles tinha afastado a história do mundo das ciências, precisamente porque ela se ocupa do particular, que não é um objeto da ciência - cada fato histórico só aconteceu e só acontecerá uma vez. Esta singularidade constitui, para muitos, produtores ou consumidores de história, a sua principal atração: “Amar o que nunca se verá duas vezes".
A explicação histórica deve tratar dos objetos "únicos" (Gardiner, 1952, li, 3). As conseqüências deste reconhecimento da singularidade do fato histórico podem ser reduzidas a três, que tiveram um el1brme papel na história da história.
A primeira é a primazia do acontecimento. Se pensamos que, de fato, o trabalho histórico consiste em estabelecer acontecimentos, basta aplicar aos documentos um método que deles os faça sair. Assim, Dibble (1963) distinguiu quatro tipos de inferências, que levam dos documentos aos acontecimentos, em função da natureza dos documentos que possam existir: testemunhos individuais (testimony), fontes coletivas (social bookkeeping), indicadores diretos (direct indicators), correlatos (correlates). Este método excelente só tem o defeito de definir um objetivo contestável. Em primeiro lugar, confunde acontecimento e fato histórico, e sabemos hoje que o fim da história não é estabelece!, estes dados falsamente "reais" batizados de acontecimentos ou fatos históricos.
A segunda conseqüência da limitação da história ao singular consiste em privilegiar o papel dos indivíduos e, em especial, dos grandes homens. Edward H. Carr mostrou como, na tradição ocidental, esta tendência remonta aos gregos, que atribuíram as suas mais antigas epopéias e as suas primeiras leis a indivíduos hipotéticos (Homero, Licurgo e Sólón), renovou-se no Renascimento com a voga de Plutarco; Carr reencontra o que chama jocosamente "a teoria da história do 'mau rei João' (Sem Terra)" (The bad kingtohn theory of history) na obra de Isaiah Berlin, Historical inevitability (1954) (Carr, 196.1).. Esta concepção, que desapareceu praticamente da história científica, infelizmente continua a ser espalhada por vulgarizadores e pela media, a começar pelos editores. Não confundo esta explicação vulgar da história feita por indivíduos com o gênero biográfico que apesar dos erros e mediocridades - é um gênero maior da:" história e produziu obras-primas historiográficas como o Frederico 11 (Kaiser Friedrich der Zweite), de Ernest Kantorowicz (1927-1931). Carr tem razão em lembrar o que Hegel dizia dos grandes homens: "Os indivíduos históricos são os que cumpriram e quiseram., não um objeto imaginado e presumido, mas uma realidade justa e necessária e que a cumpriram porque tiveram a revelação interior do que pertence realmente ao tempo e às necessidades" (Hegel, 1805-1831).
De fato, como Michel de Certeau bem disse (1975), a especialidade da história é o particular, mas o particular, como demonstrou Elton (1967), é diferente do individual, e o particular especifica, quer a atenção, quer a investigação histórica, não enquanto objeto pensa- do, mas, ao contrário, como limite do pensável.
A terceira conseqüência abusiva que se extraiu do papel do particular em história consiste em reduzi-la a uma narração, a um conto. Augustin Thierry, como nos recorda Roland Barthes, foi um dos defensores - aparentemente dos mais ingênuos desta crença nas virtudes do conto histórico:

Disse-se que o objeto da história era contar, não provar; não o sei, mas estou certo de que, em história? o melhor gênero de prova, o mais capaz de tocar e convencer os espíritos, o que inspira menor desconfiança e deixa menos dúvidas, é a narração completa [...] (1840, ed. 1851, 11, p. 227). '

Mas o que significa "completa"? Passemos por cima do fato de um conto - histórico ou não - ser uma construção e, sob a aparência honesta e objetiva, proceder a toda uma série de escolhas não explícitas. Toda a concepção da história que a identifica com o conto afigura-se- me, hoje, inaceitável.


Pg 35. Segue-se a caracterização dos oito autores escolhidos da seguinte maneira: Michelet é o realismo histórico, entendido como romance; Ranke, o realismo histórico, como comédia; Tocqueville, o realismo histórico, como tragédia; Burckhardt, o realismo histórico, como sátira; Hegel, a poética da história e da vida para além da ironia; Marx, a defesa filosófica da história em termos metonímicos; Nietzsche, a defesa poética da história em termos metafísicos; e Croce, a defesa filosófica da história em termos irônicos.
As sete conclusões gerais sobre a consciência histórica no século XIX, propostas por Hayden White, podem resumir-se em três idéias:

1) não existe diferença fundamental entre história e filosofia dá história;
2) a escolha das estratégias de explicação histórica é mais de ordem moral ou estética do que epistemológica;
3) a reivindicação duma cientificidade da história não passa do disfarce de uma preferência por esta ou aquela modalidade de conceitualização histórica.

E, por fim, a conclusão mais geral - mesmo para além da concepção de história no século. XIX - é que a obra do historiador é uma forma de atividade simultaneamente poética, científica e filosófica.
Seria demasiado fácil ironizar - sobretudo a partir do esquelético resumo que dei de um livro recheado de sugestivas análises detalhadas - sobre esta concepção de "meta-história”, os seus a priori e os seus simplismos.
Vejo aqui duas possibilidades interessantes de reflexão. A primeira é a que contribui para esclarecer. a crise do historicismo no fim do século XIX, da qual falarei mais adiante. A segunda é que ele permite pôr - com base num exemplo histórico - o problema das relações entre a história como ciência, como arte e como filosofia.


Pg 41. [...] Os conceitos do historiador são, com efeito, não vagos, mas por vezes metafóricos, precisamente porque devem remeter ao mesmo tempo para o concreto e para o abstrato, sendo a história e é como as outras ciências humanas ou sociais - uma ciência não tanto do complexo, como se prefere dizer, mas do especifico; como o diz, com razão, Paul Veyne.
A história, como todas as ciências, deve generalizar e explicar. Faz isso de modo original. Como diz Gordon Leff, tal como muitos outros, o método de explicação em história é essencialmente dedutivo.
"Não haveria história nem discurso conceitual sem generalização [...] A compreensão histórica não difere pelos processos mentais que são inerentes a qualquer raciocínio humano, mas pelo seu estatuto que é mais o de um saber dedutivo que demonstrável" (1969,pp. 79e80). A significação em história tanto se faz tornando inteligível um conjunto de dados inicialmente separados como através da lógica interna de cada elemento: "A significação em história é essencialmente contextual" (op. cit., p. 57).
Finalmente, em história as explicações são mais avaliações do que demonstrações, mas incluem opinião do historiador em termos ..racionais, inerentes ao processo intelectual de explicação:
Os teóricos da história esforçaram-se, ao longo dos séculos, por introduzir grandes princípios suscetíveÍs de fornecer chaves gerais da evolução histórica. As duas principais noções avançadas foram, por um lado, a do sentido da históriâe, por outro, a das leis da história.
A noção de um sentido da história pode decompor-se em três tipos de explicação: a crença em grandes movimentos cíclicos, a idéia de um fim da história consistindo na perfeição deste muedo, a teoria de um fim da história situado fora dela (Beglar, 1975).
Pg 42. Podemos considerar que as concepções astecas ou, de certo modo, as de Arnold Toynbee, integram,-se na primeira opinião, o marxismo na segunda e o cristianismo na terceira.
No interior do cristianismo estabelece-se uma grande clivagem entre os que, com santo Agostinho e a ortodoxia católica, baseados na idéia das duas cidades, a terrestre e a celeste, exposta na De Civitate Dei) sublinham a ambivalência do tempo da história, presente tanto no caos aparente da história humana (Roma não é eterna e não é o fim da história) como no fluxo escatológico da história divina, e os que, com os milenaristas e Joaquim da Fiore, procuram conciliar a segunda e a terceira concepções do sentido da história. A história acabaria uma primeira vez com o aparecimento de uma terceira idade, reino dos santos na terra, antes de acabar com a ressurreição da carne e o Juízo Final. É esta, no século XIII, a opinião de Joaquim da Fiore e de seus discípulos, que não só .nos faz sair da teoria. da história como também da filosofia da história, para nos fazer entrar na teologia da história. No século XX, a renovação religiosa gerou em alguns pensadores uma recuperação da teologia da história. O russo Berdjaev (1923) profetizou que as contradições da história contemporânea dariam lugar a uma nova criação conjunta do homem e de Deus. O protestantismo do século XX viu defrontarem-se diversas correntes escatológicas: a da "escatologia conseqüente" de Schweizer, a da "escatologia desmitificada' de Baltmann, a da "escatologia realizada' de Dodd, a da "escatologia antecipada de Cullmann, entre outras. Retomando a análise de santo Agostinho, o historiador católico Henri-Irénée Marrou (1968) desenvolveu a idéia da ambigüidade do tempo da história:

o tempo da história está carregado de uma ambigüidad4de uma ambivalência radical: ele é certamente, mas não só, como o imaginava uma doutrina superficial, um "fator de progresso"; a história tem também uma.face sinistra e sombria: este acontecimento, que se cumpre miste- riosamente, traça um caminho através do sofrimento, da morte e da degradação (1968).


Pg 43. De outra parte, já escrevi sobre a concepção cíclica e a idéia de decadência (ver o artigo "Decadência", neste volume) e exporei mais adiante uma amostragem desta concepção, a filosofia da história de Spengler.
Sobre a idéia do fim da história consistindo na perfeição deste mundo, a lei mais coerente exposta foi a de progresso (ver artigo "Progresso/Reação", neste volume). Neste artigo, mostrei o nasci- mento, triunfo e crítica da noção de progresso; apenas exporei aqui algumas observações sobre o progresso tecnológico(cf Gallie, 1963.., pp. 191-93).
Gordon Childe, depois de ter afirmado que o trabalho do historiador consistia em encontrar uma ordem no processo da história humana (1953, p. 5) e defendido que não havia leis em história, mas uma "seqüência de ordem", tomou como exemplo desta ordem a tecnologia. Para ele, há um progresso tecnológico "desde a Pré-História à Idade do Carvão", que consiste numa seqüência ordenada de acontecimentos históricos. Mas Gordon Childe lembra que, em cada fase, o progresso técnico é um "produto social" e, se procurarmos analisá-lo desse ponto de vista, apercebemo-nos que o que parecia linear é irregular (erratic) e, para explicar estas "irregularidades e estas flutuações", temos de nos voltar para as instituições sociais, econômicas, políticas, jurídicas, tçológicas, mágicas, os costumes e as crenças - que agiram como estímulos ou como freios -, em resumo, para toda a história na sua complexidade. Mas será legítimo isolar o do- mínio da tecnologia e considerar que o resto da história não age sobre ele senão do exterior? Não seria a tecnologia uma componente de um conjunto mais vasto cujas partes só existem pela decomposição mais ou menos arbitrária feita pelo historiador?
Este problema foi posto de uma maneira notável por Bertrand Gille (1978, pp. viii e segs.), que passa a noção de que sistema técnico seja um conjunto coerente de estruturas compatíveis umas com as outras. Os sistemas técnicos históricos revelam uma ordem técnica. Este "modo de abordar o fenômeno técnico" obriga a um diálogo com os especialistas dos outros sistemas: o economista, o lingüista, o sociólogo, o político" o jurista, o sábio, o filósofo [...]


Pg 45. Marx escreveu numa carta: A história universal teria um caráter muito místico se excluísse o acaso. Este acaso, bem entendido, faz parte do processo geral de desenvolvi- mento e é compensado por outras formas de acaso. Mas a aceleração ou o atraso do processo dependem desses "acidentes", incluindo o caráter "fortuito" dos indivíduos que estão à frente do movimento na sua fase inicial (apud Carr, 1961, p. 95).

Pg 46. Esboçada assim a questão das regularidades e da racionalidade em história, resta-me evocar os problemas da unidade e da diversidade, da continuidade e da descontinuidade em história. Como estes problemas estão no âmago da crise atual da história, voltarei a eles no final deste ensaio. Limitar-me-ei a dizer que, se o objetivo da verdadeira história foi sempre o de ser uma história global ou total- integral, perfeita, como diziam os grandes historiadores do fim do século XVI -, a história, à medida que se constitui como corpo de disciplina cientifica e escolar, deve encarnar,se em categorias que pragmaticamente a fracionam. Estas categorias dependem da própria evolução histórica: a primeira parte do século XX viu nascer a história econômica e social; a segunda, a história das mentalidades. Por isso, a aspiração dos historiadores à totalidade histórica pode e deve adquirir formas diferentes que, também elas, evoluem com o tempo. O historiador é por vezes mais ou menos imposto pelo estado da documentação , dado que cada tipo de fonte exige um tratamento diferente, no interior de uma problemática de conjunto. Ao estudar o nascimento do Purgatório dos séculos III e XIV no Ocidente, reportei-me a textos teológicos e histórias de visões, seja para exempla, uso litúrgico ou práticas de devoção; e teria recorrido à iconografia, se o Purgatório não tivesse estado tanto tempo ausente dela. Analisei algumas vezes pensamentos individuais; outras, mentalidades coletivas, ou ainda a mentalidade dos poderosos e das massas.


Pg 47. Mas tive sempre presente que, sem determinismo nem fatalidade, com lentidões, perdas, desvios, a crença no Purgatório tinha-se encarnado no seio de um sistema e que este sistema só tinha sentido devido a seu funcionamento numa sociedade global (cf. Le Goff, 1981).
No que se refere à continuidade e à descontinuidade, já falei do conceito de revolução. Gostaria de acabar a primeira parte deste ensaio insistindo no fato de que o historiador deve respeitar o tempo que, sob diversas formas, é a condição da história e que deve fazer corresponder seus quadros de explicação cronológica à duração do vivido. Datar é e será sempre uma das tarefas fundamentais do historiador, mas deve fazer-se acompanhar de outra manipulação necessária da duração - a periodização -, para que a datação se torne historicamente pensável.
Gordon Leff recordou com veemência: A periodização é indispensável a qualquer forma de compreensão histórica' (1969, p. 130), acrescentando com pertinência: "A periodização, como a própria história, é um processo empírico, delineado pelo historiador" (op. cit., p. 150). Acrescentarei apenas que não há história imóvel e que a história também não é a pura mudança, mas o estudo das mudanças significativas. A periodização é o principal instrumento de inteligibilidade das mudanças significativas.

A mentalidade histórica: os homens e o passado


Pg 48. Adoto, neste ensaio, a expressão "cultura histórica', usada por Bernard Guenée (1980). Sob este termo, Guenée reúne a bagagem profissional do historiador, sua biblioteca de obras históricas, o público e a audiência dos historiadores. Acrescento-lhes a relação que uma sociedade, na sua psicologia coletiva, mantém com o passado. Minha concepção não está muito afastada daquilo a que os anglo-saxônicos chamam historical mindedness. Conheço os riscos desta reflexão: considerar unidade uma realidade complexa e estruturada em classes ou, pelo menos, em categorias sociais distintas por seus interesses e cultura, ou supor um "espírito do tempo" (Zeitgeist), isto é, um inconsciente coletivo, o que são abstrações perigosas. No entanto, os inquéritos e os questionários usados nas sociedades "desenvolvidas" de hoje mostram que é possível abordar os sentimentos da opinião pública de um país a respeito de seu passado, assim como sobre outros fenômenos e problemas (cf. Lecuir, 1981).
Como estes inquéritos são impossíveis no que se refere ao passado, esforçar-me-ei por caracterizar - sem dissimular o aspecto arbitrário e simplificador deste procedimento - a atitude dominante de algumas sociedades históricas perante seu passado e sua história. Considerarei os historiadores os principais intérpretes da opinião coletiva, procurando distinguir suas idéias pessoais da mentalidade coletiva. Sei bem que ainda continuo a confundir passado com história na memória coletiva. Devo, pois, dar algumas explicações suplementares que tornam mais precisas as minhas idéias sobre a história,
A história da história não se deve preocupar apenas com a produção histórica profissional, mas com todo um conjunto de fenômenos que constituem a cultura histórica, ou melhor, a mentalidade histórica de uma época. Um estudo dos manuais escolares de história é um aspecto privilegiado, [...]



Pg 52. [...] Sabemos também que a história se faz em geral da mesma maneira nos três grandes grupos de países existentes hoje no mundo: o mundo ocidental, o mundo comunista e o Terceiro Mundo. As relações entre a produção histórica destes três conjuntos dependem das relações de força e das estratégias políticas internacionais, mas também se desenvolve um diálogo entre especialistas, entre profissionais, numa perspectiva científica comum. Este quadro profissional hão é puramente científico, ou melhor, exige um código moral semelhante ao de todos os cientistas e homens de ofício; exige aquilo que Georges Duby chama de "uma ética", (Duby e Lardreau, 1980., pp. 15-16)., que eu chamaria, mais "objetivamente", de uma ideontologia. Não insisto deste ponto, mas considero-o essencial; constato que, apesar de alguns desvios, esta deontologia.
A cultura (ou mentalidade) histórica não depende apenas das relações memória-história, presente-passado. A história é a ciência do tempo. Está estritamente ligada às diferentes concepções de tempo que existem numa sociedade e é um elemento essencial da aparelhagem mental de seus historiadores. Voltarei à concepção de um contraste existente na Antigüidade, quer nas sociedades que no próprio pensamento dos historiadores, entre uma concepção circular e uma concepção linear do tempo.


Pg 54. A tese a-histórica sobre a India foi brilhantemente defendida por J Dumont (1962), que recorda que Hegel e Marx deram à história da Índia um destino à parte, colocando-a praticamente fora da história. Hegel, ao fazer das castas "hindus" o fundamento de uma "diferenciação inabalável"; Marx, ao considerar que, em contraste com o desenvolvimento ocidental, a Índia conhece uma "estagnação", a estagnação de uma economia "natural" - por oposição à economia mercantil- à qual se sobrepunha um "despotismo" (1962, p. 49)

[...]
A mentalidade histórica romana não foi muito diferente da grega, que aliás a formou. Políbio, o mestre grego que iniciou os romanos no pensamento da história, vê, no imperialismo romano a dilatação do espírito da cidade, e, perante os bárbaros, os historiadores romanos, exaltarão a civilização encarnada em Roma, que Salústio exalta perante o africano que aprendeu em Roma os meios de combatê-Ia; a Tito Uvio ilustra perante os selvagens,da Itália e os cartagineses reduzires romanos à escravatura, tinham tentado os persas em relação aos gregos, que César encarna contra, gauleses, que Tácito abandonar no seu despeito anti-imperial para admirar estes bons selvagens bretões e germanos, que ele vê com os traços dos antigos, romanos virtuosos, anteriores a decadência, sobre qual Políbio teriorizou com base na semelhança entre as sociedades humanas e os indivíduos. As instituições desenvolvem -se declinam e morrem, tal como os indivíduos, pois como eles, estão submetidas às leis da natureza, e a própria grandeza romana morrerá - teoria que Montesquieu relembrará. A lição da história, para os antigos resume-se a uma negação da história. O que ela lega de positivo são os exemplos dos antepassados, heróis e grandes homens.

[....]
O cristianismo foi visto como uma ruptura, uma revolução na mentalidade histórica. Dando à história três ponto fixos – a Criação, início absoluto da História; a encarnação, início da história cristã e da história da salvação; e o Juízo Final, fim da história - o cristianismo teria substituído as concepções antigas de um tempo: circular pela noção de um tempo linear e teria orientado a história,dando-Ihe um sentido. Sensível às datas., procura datar a Criação, os principais pontos de referência do Antigo Testamento e, com a maior precisão possível, o nascimento e morte de Jesus -religião histórica, apoiada na história, o cristianismo teria imprimido à história do Ocidente um impulso decisivo. Guy Lardreaue Georges Duby, ainda recentemente, insistiram na ligação entre o cristianismo e o desenvolvimento da história no Ocidente.
O cristianismo favoreceu uma certa propensão para raciocinar em termos históricos, característica dos hábitos do pensamento ocidental, mas o estreitar de relações entre o cristianismo e a história, parece-me, deve ser esclarecido. Em primeiro lugar, estudos recentes mostraram que não devíamos reduzir a mentalidade antiga -;- nomeadamente agrega -à idéia de um tempo circular (Momigliano,1966b; Vidal- Naquet, 1;960).


Pg 65. Por seu lado, o cristianismo não pode ser reduzido à idéia de um tempo Linear: um tipo de tempo circular, o tempo Litúrgico, desempenha nele um papel de primeiro plano. Sua supremacia, durante muito tempo, levou o cristianismo a datar apenas os dias e os meses, sem mencionar o ano, de maneira a integrar os acontecimentos no calendário litúrgico. Por outro lado, o tempo teológico e escatológico não conduz necessariamente a uma valorização da história [...]

Podemos considerar que a salvação tanto realizará fora da história, ou da recusa da história, como através da história e pela história. Ambas as tendências existiram e existem ainda no cristianismo (cf. O artigo "Escatologia", neste volume). Se o Ocidente prestou especial atenção à história, desenvolvendo especialmente a mentalidade histórica e atribuindo um lugar importante à função da evolução social e política. Muito cedo, alguns grupos sociais e políticos e os ideológicos dos sistemas políticos tiveram em se pensar historicamente e em impor quadros de pensamento históricos. Como;se viu, este interesse apareceu primeiro no Oriente Médio e no Egito, nos hebreus e depois nos gregos. É apenas devido ao fato de ser desde há muito a ideologia dominante do Ocidente que o cristianismo forneceu-lhe algumas formas de pensamento histórico. Quanto às outras civilizações, se elas parecem dar menos importância ao espírito histórico, isso se deve ao fato de, por um lado, reservarmos o nome de história às concepções ocidentais e não reconhecemos como tais outras maneiras de pensar a história e, por outro lado, porque as condições sociais e políticas que favoreceram o desenvolvimento da história no Ocidente nem sempre, se produziram em outros lados.
Para concluir, o cristianismo trouxe importantes elementos à mentalidade histórica, mostra fora da concepção agostiniana da história (cf. Adiante pg. 78-80), que teve grande influência na Idade Média e mais tarde. Alguns historiadores cristãos orientais dos séculos IV e V tiveram, assim grande influência sobre a mentalidade histórica, não só indiretamente, no Ocidente. É o caso de Eusébio de Cesária, de Sócrates, o Escolástico, de Sozomeno, de Teodoreto de Ciro. Acreditavam no Livre-arbítrio (Eusébio e Sócrates eram, mesmo, seguidores de Orígenes) e pensavam que o destino cego, o factum, não tinha uma função histórica, ao contrário do que pensavam os historiadores romanos.


Pg 68 [...] "A auto-historiografia veneziana medieval conheceu, no entanto, muitas vicissitudes reveladoras. Em primeiro lugar, mais que a unidade e a segurança finalmente conquistadas, há um contraste flagrante entre a historiografia antiga que se reflete as divisões e as lutas internas da cidade. “ A historiografia [...] refletirá uma realidade em movimento, as lutas e as conquistas parciais que assinalam, uma ou mais forças que nela agem; e não a serenidade satisfatória de quem contempla um processo concluído” (Cracco, 1970, pg. 45-46).
[...] O renascimento é a grande época da mentalidade histórica. É assinalado pela idéia de uma história nova, global, a história perfeita, e por progresso importantes de métodos e de crítica histórica. Das suas relações ambíguas coma Antigüidade (ao mesmo tempo, modelo paralisante e pretexto inspirador), a história humanista e renascentista assume uma atitude de dupla e contraditória perante a história. Por um lado, o sentimento das diferenças e do passado, da relatividade das civilizações, mas também da procura do homem, de um humanismo e de uma ética em que a história, paradoxalmente, se torna magistra vitae, negando-se a si própria, fornecendo exemplos e lições atemporalmente válidos. (cf. Landfester, 1972). Ninguém melhor que Montaigne (1580-1592) manifestou este aspecto ambíguo de história:

Os historiadores são os que mais me agradam, são agradáveis e naturais; [...] o homem em geral, que eu procuro conhecer através deles, parece mais vivo e mais inteiro que em qualquer outro lugar, a diversidade e verdade das suas condições internas em todas as circunstâncias, a variedade dos seus modos de ligação e dos acidentes que o ameaçam (pJ?117-19).


[...] Resta dizer que – apesar de uma história nova, independente erudita – a história do renascimento esta estritamente dependente dos interesses sociais e políticos dominantes, nesse caso do Estado. Dos Séculos XII ao XIV, o protagonista da produção historiográfica tinha sido, no meio senhorial e monárquico, o protegido dos grandes [...]
[...] no meio urbano, o historiador é um membro da alta burguesia no poder, como Leonardo Bruni, chanceler de Florença, de 1427 a 1444, ou são altos funcionários do Estado, entre os quais os dois mais celebres exemplos foram, em Florença, Maquiavel, da chancelaria florentina [...]
É na França que podemos seguir melhor a tentativa de domesticação da história pela monarquia, nomeando no século XVII, em que os defensores da ortodoxia católica e os partidos absolutismo real condenaram libertia (libertina) a critica histórica dos historiadores do século XVI e do reinado de Henrique IV. Esta tentativa manifestou-se no ataque a historiógrafos oficiais, desde o século XVI até a Revolução.


Pg 69. Gostaria de evocar as repercussões, no século XVI e no início do século XVII, de um dos mais importantes fenômenos desta época a descoberta do “Novo Mundo”. O resultado da conquista parece para os índios,a perda de sua identidade, a morte dos deuses e do Inca, a destruição dos ídolos e costumes dos índios, isto é, um traumatismo coletivo.

Pg 70. Quando falamos de uma lógica ou de uma racionalidade pretendemos definir leis matemáticas, necessárias e válidas para todas as sociedades, como se a história obedecesse a um determinismo natural[...] , cuja a reconstituição se torna indispensável para a compreensão do acontecimento.

Pg 71. resta dizer que – apesar de uma história nova, independente e erudita – a história do renascimento está restritamente dependente dos interesses sociais e políticos dominantes, neste caso do estado. Nos séculos XII e XIV, o protagonismo historiográfico estava ligado ao meio senhoril e monárquico.

Para além disto, o historiador, no meio urbano, é um membro da alta burguesia no poder, como Leonardo Bruni, chanceler de Florença.

Pg 72. É na França que podemos seguir melhor a tentativa de domesticação da história pela monarquia.

O espírito das luzes, um pouco do Renascimento, terá uma atitude ambígua perante a história. É certo que a história filosófica traz para o desenvolvimento da história “um considerado aumento da curiosidade. Mas o racionalismo dos filósofos trava o desenvolvimento do sentido histórico”.

A história é uma arma contra o “fanatismo” e as épocas em que reinou, como a idade Média, não merecem mais o desprezo e o e aquecimento: “Só devemos conhecer a história desse tempo, para a desprezar”.

Paradoxalmente, a Revolução Francesa, no seu tempo, não estimulou a reflexão histórica.


As filosofias da história

Pg 77. [...] Os estudos das filosofias da história não faz parte de uma reflexão sobre a história, como impõem a todos o estudo de historiografia.


[...] distinguirei dois casos de teóricos que foram ao mesmo tempo, historiadores e filósofos da história que, sem atingir um alto nível em nenhuma das disciplinas, suscitaram reações significativas no século XX: Spengler e Toynbee.

Pg 80. Enquanto que a história ocidental medieval prosseguia lenta e humildemente as tarefas do ofício de historiador.

Pg 85. A história dos filósofos das luzes que se esforçaram por torná-la racional, aberta às idéias de civilização e de progresso, não substituiu a concepção de história exemplar e a história ficou de fora da grande revolução científica dos séculos XVII e XVII, início do século XIX, universitários que não precisam se procurar com o publico para quem a história a história era uma ciência ética [...]

Pg 89. De fato, o historicismo marcou todas as escolas de pensamento do século XIX, conseguindo finalmente triunfar, devido à teoria de Darwin sobre o evolucionismo em The Origgin of species (1859).


Pg 95. Pode integrar-se o materialismo histórico no historicismo, se tomarmos no seu sentido mais lato vermos mais adiante a crítica de Althusser a esta concepção. [...] os principais textos de Marx relativos à história estão na Ideologia alemã [Marx e Engels] que “apreendem o materialismo histórico na sua gênese e nas suas modalidades”.
Pg. 103. Michael Foucault ocupa um ligar excepcional na história por três razões, primeiro por ser um dos maiores historiadores novos. Em seguida por fazer o diagnostico mais perspicaz sobre esta renovação de história, e finalmente, Foucalt propõem uma filosofia original da história, estritamente ligada à prática e a metodologia da disciplina histórica. Ele faz uma analise baseada em quatro pontos:

- Questionar os documentos: a história tradicional tende a supervaloriza-los;

- A falta de descontinuidade que traz o papel quanto tem grande valor histórico;

- o tema e a possibilidade de construção de uma história global e;

- Novos métodos: escolha de critérios, as regras de analise, etc...


A história como ciência: ofício de um historiador

Pg.O fato de a história precisar de técnicas e, métodos e de ser ensinada a torna uma ciência. A. es de mais nada deve decidir sobre aquilo que vai considerar como documento e que irá ser esquecido.

A grande extensão de documentação historiográfica é um fenômeno da contemporaneidade faz entrarmos dentro da arqueologia.
Lê Goff, faz uma reflexão histórica que se aplica até hoje da ausência de documentos, aos silêncios da história.
A história tornou-se científica ao questionar os documentos chamamos fontes.
Os historiadores do século XVII ao XIX aperfeiçoaram uma crítica de documentos que hoje esta adquirida, continua e necessária.



A história hoje

Sobre a história contemporânea gostaria de apresentar um esboço da sua renovação enquanto prática científica e por outro lado, evocar o seu papel na sociedade.

Uma das mais antigas manifestações foi o desenvolvimento da história da economia e social, devemos também mencionar aqui o papel da ciência histórica alemã e do grande historiador belga Henri Pirenne.
Na medida e que a sociologia e antropologia se desenvolveram desempenham um papel importante na mutação da história do século XX.
Com o marxismo, surgiu Max Weber, único pensamento coerente da história do século XX.

Pg 141. O grande problema da história global, geral , a tendência secular de uma história que não seja só universal e sintética, que vai do cristianismo antigo ao historicismo alemão, mas que seja integral ou perfeita.


Pg. 142. Ultrapassando o problema de uma nova política põe-se o do lugar a dar ao acontecimento na história, tomando-o no seu duplo sentido.


Pg 143. Eric Hobsbawn respondeu –lhe que os métodos, as orientações e os produtos da historia “nova” não eram, de modo algum, renúncias às grandes questões nem um abandono da investigação das causas [....]


A reivindicação dos historiadores não obstante a diversidade das suas concepções e práticas e ao mesmo tempo, imensa e modesta.


Pg 146. o paradoxo surge do contraste entre o sucesso que a história tem na sociedade e a crise do mundo dos historiadores.

A crise do mundo dos historiadores nasce do limites e das incertezas da nova história, do desencanto dos homens face às durezas da história vivida.

A história histotizante pede pouco. Muito pouco (FEVRE).

domingo, 28 de setembro de 2008

REPENSANDO ‘A HISTÓRIA REPENSADA’

JENKINS, K. A História repensada. Tradução de Mario Vilela. Revisão Técnica de
Margareth Rago. São Paulo: Contexto, 2001.
Paulo Renato da Silva1

Até meados do século XX, a História ainda era muito parecida com as estradas do oeste norte-americano imortalizadas por Hollywood: reta, plana e sem vicinais. Essa estrada chamada positivismo era percorrida com segurança pelos historiadores até seu destino, a verdade. No entanto, novos caminhos surgiram para novos pontos de chegada trazidos pelo que conhecemos como pósmodernismo.
As estradas também começaram a ser percorridas por novos transeuntes. É nesse emaranhado viário, ou melhor, paradigmático, de tráfego intenso, que muitos historiadores estão perdidos, tanto os mais jovens, que se sentem obrigados a escolher um dentre vários caminhos, como os mais velhos, que têm dificuldades para percorrer as novas estradas. Nessa situação, ainda que apresente algumas imprecisões e lacunas, A História repensada (Rethinking History) do historiador inglês Keith Jenkins permite aos historiadores se localizarem com mais precisão perante as mudanças provocadas pelo pós-modernismo. Apesar de ter sido publicado em 1991 e traduzido em 2001 - primeiro livro de Jenkins no Brasil -, sua discussão continua pertinente e assim promete continuar por muito tempo. Uma pequena observação sobre a tradução do título: ainda que a tradução esteja certa, o tradutor teria sido mais feliz caso tivesse optado por Repensando a História. O gerúndio aproximaria mais o título do texto, que discorre sobre os questionamentos, superações e mudanças que marcam a História atualmente. A História Repensada traz a idéia do fechamento de um novo conceito de História, o que poderia levar Jenkins a ser enquadrado, erroneamente, na antiga estrada positivista.
Jenkins afirma que o texto é introdutório e polêmico. Na introdução, coloca a clássica pergunta “O que é a história?”2. O caráter introdutório da questão dispensa comentários e o polêmico está na resposta que se delineia ao longo do texto. A polêmica está presente desde a introdução, quando o autor afirma que novos transeuntes como literatos e filósofos pensam muito mais sobre seus respectivos objetos do que os historiadores. Mais do que isso, são considerados modelos a serem seguidos pela preocupação com “as ‘leituras’ e a elaboração de significados”3.
Assim, o autor questiona a visão positivista do passado. Jenkins considera que a História não consegue, não pode apreender plenamente a complexidade do 1 Mestrando em História pela Universidade Estadual de Campinas.
2 JENKINS, A História..., p. 17.
3 JENKINS, A História..., p. 20.
204 Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [11]; João Pessoa, ago./ dez. 2004. passado. Ao invés de procurarem “a” verdade, os historiadores deveriam se preocupar com “as” verdades do passado. Jenkins alerta que isso não é nenhuma novidade, visto que a historiografia sempre lotou prateleiras sobre um mesmo tema: “Fica evidente que os historiadores deveriam levar em conta esses argumentos quando põem mãos à obra, mas com freqüência, eles não o fazem. E, quando o fazem, raramente os desenvolvem” 4.

O autor ainda lembra que a quantidade de fontes é muito grande, o que gera a necessidade de recortes espaciais, temáticos e temporais, ou muito pequena, o que impossibilita o desenvolvimento de uma pesquisa. Além disso, coloca que os historiadores nunca encontram todas as respostas para suas questões nas fontes e, assim, precisam formular hipóteses para prosseguirem com suas pesquisas. Nesse ponto, novos buracos aparecem na estrada quando o autor lança a questão da ideologia na História e sua influência nos recortes e nas hipóteses dos historiadores.
A ideologia é apresentada em A História repensada de um modo amplo, não somente na dimensão política ou partidária. A ideologia é o presente, o contexto econômico, social e cultural no qual estão inseridos os historiadores e produtores das fontes. Jenkins frisa o condicionamento ideológico da leitura e produção textual. “Assim como somos produtos do passado, assim também o passado conhecido (a história) é um artefato nosso. Ninguém, não importando quão imerso esteja no passado, consegue despojar-se de seu conhecimento e de suas pressuposições”5.
Se a ideologia influencia tanto as fontes como os historiadores, a historiografia deveria ser analisada como uma fonte. Além disso, ao dar destaque à ideologia, Jenkins questiona a neutralidade, objetividade do historiador ao relacionar a História com o poder. O autor lembra da importância da História para a legitimação de movimentos sociais e instituições como a universidade. Por isso, Jenkins reformula a pergunta da introdução. “Assim (...) fica claro que responder à pergunta ‘O que é a história?’ de modo que ela seja realista está em substitui-la por esta outra: ‘Para quem é a história?’” 6.
O autor também destaca pressões do cotidiano que dificultam a apreensão do passado pelos historiadores. Pressões de familiares e amigos por mais convivência, do local de trabalho, no qual se manifestam divergências pessoais e profissionais, das editoras, que impõem extensão, formato, estilo, reescritas e prazos. Contudo, essas pressões ainda são minimizadas ou mesmo ignoradas pela maioria dos historiadores.
Essas são as principais questões levantadas por A História Repensada. O autor menciona Alex Callinicos, para quem o pós-modernismo demonstrou a “inadequação da realidade aos conceitos” 7. Em poucas palavras, a resposta polêmica que se delineia ao longo do texto é que não existe “a” História, pois não existe “o” caminho para “a” verdade.
4 JENKINS, A História..., p. 61.
5 JENKINS, A História..., p. 33.
6 JENKINS, A História..., p. 41.
7 JENKINS, A História..., p. 100.
Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [11]; João Pessoa, ago./ dez. 2004. 205
No entanto, conforme mencionado, o texto apresenta algumas imprecisões e lacunas, provocadas mais pelo momento de crise e transição paradigmática no qual vivemos do que por equívocos de Jenkins.
Em primeiro lugar, o autor coloca que seu objetivo é ajudar o historiador “a ter controle de seu próprio discurso” 8. Ora, Jenkins demonstra exatamente o contrário, considerando-se o leque amplo de interferências sobre o trabalho do historiador. Nas notas, coloca que ter controle do discurso é “ter poder sobre o que você quer que a história seja, em vez de aceitar o que outras pessoas dizem que ela é” 9. Nesse trecho, o autor parece se esquecer das diferentes leituras às quais estão sujeitas as fontes e a historiografia. Os historiadores precisam ter consciência, não controle do próprio discurso, consciência dos seus propósitos e limitações.

A aproximação entre Geoffrey Elton, segundo o qual “o estudo da história equivale a uma busca pela verdade” 10 e Edward Palmer Thompson também soa estranha em A História Repensada. Até o marxismo mais ortodoxo não admite a existência de uma única verdade e Thompson, ao enfatizar a cultura na formação da classe operária inglesa, demonstra as apropriações e mudanças efetuadas pelos trabalhadores no discurso dominante. Logo, Thompson também trabalha com leituras e produção de significados. Jenkins coloca que apesar de Thompson não
considerar que todo “conhecimento seja passível de ‘prova científica’, ele mesmo assim o tem por conhecimento real” 11. No entanto, quando discorda da crítica segundo a qual o passado seria, para os pós-modernos, inteiramente inventado, Jenkins também coloca que a História é um conhecimento real:
“Não quero dizer (...) que nós simplesmente inventamos histórias sobre o mundo ou sobre o passado (...), mas (...) que o mundo ou o passado sempre nos chegam como narrativas para verificar se correspondem ao mundo ou ao passado reais, pois elas constituem a ‘realidade’.” 12
Finalmente, considerando-se o destaque dado à ideologia, acredito que Jenkins poderia ter escrito sobre sua formação e o que o teria levado ao pós-modernismo. A formação da classe operária inglesa de Thompson é apresentada por Jenkins como um texto que “pode ser lido tanto como uma introdução a aspectos da Revolução Industrial, quanto como um estudo do que certo tipo de historiador marxista tinha para dizer no final dos anos 50 e começo dos 60” 13. Assim, além de um ensaio teórico, A História repensada pode ser lida como um estudo de certo tipo de qual historiador? Se tivesse explorado sua trajetória intelectual, certamente seria mais fácil compreender o que Jenkins entende por controle do próprio discurso.
8 JENKINS, A História..., p. 17.
9 JENKINS, A História..., p. 109.
10 JENKINS, A História..., p. 35.
11 JENKINS, A História..., p. 36.
12 JENKINS, A História..., p. 28.
13 JENKINS, A História..., p. 79.
206 Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [11]; João Pessoa, ago./ dez. 2004.
Contribuição do colega Claudio Antonio Bandeira Bandeira

sábado, 20 de setembro de 2008

Identidade Cultural na Pós-modernidade

Identidade Cultural na Pós-modernidade" - p. 07-22

cap. 1) A identidade em questão
A questão da identidade está sendo extensamente discutida na teoria social. Em essência, o argumento é o seguinte: as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada "crise de identidade" é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social.
O propósito deste livro é explorar algumas das questões sobre a identidade cultural na modernidade tardia e avaliar se existe uma "crise de identidade", em que consiste essa crise e em que direção ela está indo. O livro se volta para questões como: Que pretendemos dizer com "crise de identidade"? Que acontecimentos recentes nas sociedades modernas precipitam essa crise? Que formas ela toma? Quais são suas conseqüências potenciais? A primeira parte do livro ('caps. 1-2') lida com mudanças nos conceitos de identidade e de sujeito. A segunda parte ('caps. 3-6') desenvolve esse argumento com relação a 'identidades culturais' - aqueles aspectos de nossas identidades que surgem de nosso "pertencimento" a culturas étnicas, raciais, lingüísticas, religiosas e, acima de tudo, nacionais.
Este livro é escrito a partir de uma posição basicamente simpática à afirmação de que as identidades modernas estão sendo "descentradas", isto é, deslocadas ou fragmentadas. Seu propósito é o de explorar esta afirmação, ver o que ela implica, qualificá-la e discutir quais podem ser suas prováveis conseqüências. Ao desenvolver o argumento, introduzo certas complexidades e examino alguns aspectos contraditórios que a noção de "descentração", em sua forma mais simplificada, desconsidera.
Conseqüentemente, as formulações deste livro são provisórias e abertas à contestação. A opinião dentro da comunidade sociológica está ainda profundamente dividida quanto a esses assuntos. As tendências são demasiadamente recentes e ambíguas. O próprio conceito com o qual estamos lidando, "identidade", é demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à prova. Como ocorre com muitos outros fenômenos sociais, é impossível oferecer afirmações conclusivas ou fazer julgamentos seguros sobre as alegações e proposições teóricas que estão sendo apresentadas. Deve-se ter isso em mente ao se ler o restante do livro.
Para aqueles/as teóricos/as que acreditam que as identidades modernas estão entrando em colapso, o argumento se desenvolve da seguinte forma. Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um "sentido de si" estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento - descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos - constitui uma "crise de identidade" para o indivíduo. Como observa o crítico cultural Kobena Mercer, "a identidade somente se torna uma questão quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza" (Mercer, 1990, p.43).Esses processos de mudança, tomados em conjunto, representam um processo de transformação tão fundamental e abrangente que somos compelidos a perguntar se não é a própria modernidade que está sendo transformada. Este livro acrescenta uma nova dimensão a esse argumento: a afirmação de que naquilo que é descrito, algumas vezes, como nosso mundo pós-moderno, nós somos também "pós" relativamente a qualquer concepção essencialista ou fixa de identidade - algo que, desde o Iluminismo, se supõe definir o próprio núcleo ou essência de nosso ser e fundamentar nossa existência como sujeitos humanos. A fim de explorar essa afirmação, devo examinar primeiramente as definições de identidade e o caráter da mudança na modernidade tardia.
a) três concepções de identidade
Para os propósitos desta exposição, distinguirei três concepções muito diferentes de identidade, a saber, as concepções de identidade do:
a)sujeito do Iluminismo,
b)sujeito sociológico e
c)sujeito pós-moderno.
O sujeito do Iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo "centro" consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo - contínuo ou "idêntico" a ele - ao longo da existência do indivíduo. O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa. Direi mais sobre isto em seguida, mas pode-se ver que essa era uma concepção muito "individualista" do sujeito e de sua identidade (na verdade, a identidade 'dele': já que o sujeito do Iluminismo era usualmente descrito como masculino).
A noção de sujeito sociológico refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas era formado na relação com "outras pessoas importantes para ele", que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos - a cultura - dos mundos que ele/ela habitava, G.H. Mead, C.H. Cooley e os interacionistas simbólicos são as figuras-chave na sociologia que elaboraram esta concepção "interativa" da identidade e do eu. De acordo com essa visão, que se tornou a concepção sociológica clássica da questão, a identidade é formada na "interação" entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o "eu real", mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais "exteriores" e as identidades que esses mundos oferecem.
A identidade, nessa concepção sociológica, preenche o espaço entre o "interior" e o "exterior" - entre o mundo pessoal e o mundo público. O fato de que projetamos a "nós próprios" nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores, tornando-os "parte de nós" contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade, então, costura (ou, para usar uma metáfora médica, "sutura") o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis.
Argumenta-se, entretanto, que são exatamente essas coisas que agora estão "mudando". O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas. Correspondentemente, as identidades, que compunham as paisagens sociais "lá fora" e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as "necessidades" objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático.
Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma "celebração móvel": formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um "eu" coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora "narrativa do eu" (veja Hall, 1990). A identidade plenamente identificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar - ao menos temporariamente.
Deve-se ter em mente que as três concepções de sujeito acima são, em alguma medida, simplificações. No desenvolvimento do argumento, elas se tornarão mais complexas e qualificadas. Não obstante, elas se prestam como pontos de apoio para desenvolver o argumento central deste livro.
b) o caráter da mudança na modernidade tardia
Um outro aspecto desta questão da identidade está relacionado ao caráter da mudança na modernidade tardia; em particular, ao processo de mudança conhecido como "globalização" e seu impacto sobre a identidade cultural.
Em essência, o argumento é que a mudança na modernidade tardia tem um caráter muito específico. Como Marx disse sobre a modernidade:

é o permanente revolucionar da produção, o abalar ininterrupto de todas as condições sociais, a incerteza e o movimento eternos... Todas as relações fixas e congeladas, com seu cortejo de vetustas representações e concepções, são dissolvidas, todas as relações recém-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo que é sólido se desmancha no ar... (Marx e Engels, 1973, p. 70)

As sociedades modernas são, portanto, por definição, sociedades de mudança constante, rápida e permanente. Esta é a principal distinção entre as sociedades "tradicionais" e as "modernas". Anthony Giddens argumenta que:

nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por práticas sociais recorrentes (Giddens, 1990, pp. 37-8).
A modernidade, em contraste, não é definida apenas como a experiência de convivência com a mudança rápida, abrangente e contínua, mas é uma forma altamente reflexiva de vida, na qual:

as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz das informações recebidas sobre aquelas próprias práticas, alterando, assim, constitutivamente, seu caráter (ibid., pp. 37-8)

Giddens cita, em particular, o ritmo e o alcance da mudança - "à medida em que áreas diferentes do globo são opostas em interconexão umas com as outras, ondas de transformação social atingem virtualmente toda a superfície da terra" - e a natureza das instituições modernas (Giddens, 1990, p. 6). Essas últimas ou são radicalmente novas, em comparação com as sociedades tradicionais (por exemplo, o estado-nação ou a mercantilização de produtos e trabalho assalariado), ou têm uma enganosa continuidade com as formas anteriores (por exemplo, a cidade), mas são organizados em torno de princípios bastante diferentes. Mais importantes são as transformações do tempo e do espaço e o que ele chama de "desalojamento do sistema social" - a "extração" das relações sociais dos contextos locais de interação e sua reestruturação ao longo de escalas indefinidas de espaço-tempo"(ibid., p. 21). Veremos todos esses temas mais adiante. Entretanto, o ponto geral que gostaria de enfatizar é o das 'descontinuidades':

Os modos de vida colocados em ação pela modernidade nos livraram, de uma forma bastante inédita, de todos os tipos tradicionais de ordem social. Tanto em extensão, quanto em intensidade, as transformações envolvidas na modernidade são mais profundas do que a maioria das mudanças características dos períodos anteriores. No plano da extensão, elas serviram para estabelecer formas de interconexão social que cobrem o globo; em termos de intensidade, elas alteram algumas das características mais íntimas e pessoais de nossa existência cotidiana (Giddens, 1990, p. 21).
David Harvey fala da modernidade como implicando não apenas "um rompimento impiedoso com toda e qualquer condição precedente", mas como caracterizada por um processo sem-fim de rupturas e fragmentações internas no seu próprio interior" (1989, p.12). Ernest Laclau (1990) usa o conceito de "deslocamento". Uma estrutura deslocada é aquela cujo centro é deslocado, não sendo substituído por outro, mas por "uma pluralidade de centros de poder". As sociedades modernas, argumenta Laclau, não têm nenhum centro, nenhum princípio articulador ou organizador único e não se desenvolvem de acordo com o desdobramento de uma única "causa" ou "lei". A sociedade não é, como os sociólogos pensaram muitas vezes, um todo unificado e bem delimitado, uma totalidade, produzindo-se através de mudanças evolucionárias a partir de si mesma, como o desenvolvimento de uma flor a partir de seu bulbo. Ela está constantemente sendo "descentrada" ou deslocada por forças de si mesma.
As sociedades da modernidade tardia, argumenta ele, são caracterizadas pela "diferença"; elas são atravessadas por diferentes divisões e antagonismos sociais que produzem uma variedade de diferentes "posições de sujeito" - isto é, identidades - para os indivíduos. Se tais sociedades não se desintegram totalmente não é porque elas são unificadas, mas porque seus diferentes elementos e identidades podem, sob certas circunstâncias, ser conjuntamente articulados. Mas essa articulação é sempre parcial: a estrutura da identidade permanece aberta. Sem isso, argumenta Laclau, não haveria nenhuma história.
Esta é uma concepção de identidade muito diferente e muito mais perturbadora e provisória do que as duas anteriores. Entretanto, argumenta Laclau, isso não deveria nos desencorajar: o deslocamento tem características positivas. Ele desarticula as identidades estáveis do passado, mas também abre a possibilidade de novas articulações: a criação de novas identidades, a produção de novos sujeitos e o que ele chama de "recomposição da estrutura em torno de pontos nodais particulares de articulação" (Laclau, 1990, p.40).
Giddens, Harvey e Laclau oferecem leituras um tanto diferentes da natureza da mudança do mundo pós-moderno, mas suas ênfases na descontinuidade, na fragmentação, na ruptura e no deslocamento contêm uma linha comum. Devemos ter isso em mente quando discutirmos o impacto da mudança contemporânea conhecida como "globalização".
c) o que está em jogo na questão das identidades
Até aqui os argumentos parecem bastante abstratos. Para dar alguma idéia de como eles se aplicam a uma situação concreta e do que está "em jogo" nessas contestadas definições de identidade e mudança, vamos tomar um exemplo que ilustra as conseqüências 'políticas' da fragmentação ou "pluralização" de identidades.
Em 1991, o então presidente americano, Bush, ansioso por restaurar uma maioria conservadora na Suprema Corte americana, encaminhou a indicação de Clarence Thomas, um juiz negro de visões políticas conservadoras. No julgamento de Bush, os eleitores brancos (que podiam ter preconceitos em relação a um juiz negro) provavelmente apoiariam Thomas porque ele era conservador em termos de legislação de igualdade de direitos, e os eleitores negros (que apóiam políticas liberais em questões de raça) apoiariam Thomas porque ele era negro. Em síntese, o presidente estava "jogando o jogo das identidades".
Durante as "audiências" em torno da indicação, no Senado, o juiz Thomas foi acusado de assédio sexual por uma mulher negra, Anita Hill, uma ex-colega de Thomas. As audiências causaram um escândalo público e polarizaram a sociedade americana. Alguns negros apoiaram Thomas, baseados na questão da raça; outros se opuseram a ele, tomando como base a questão sexual. As mulheres negras estavam divididas, dependendo de qual identidade prevalecia: sua identidade como negra ou sua identidade como mulher. Os homens negros também estavam divididos, dependendo de qual fator prevalecia: seu sexismo ou seu liberalismo. Os homens brancos estavam divididos, dependendo, não apenas de sua política, mas da forma como eles se identificavam com respeito ao racismo e ao sexismo. As mulheres conservadoras brancas apoiavam Thomas, não apenas com base em sua inclinação política, mas também por causa de sua oposição ao feminismo. As feministas brancas, que freqüentemente tinham posições mais progressistas na questão da raça, se opunham a Thomas tendo como base a questão sexual. E, uma vez que o juiz Thomas era um membro da elite judiciária e Anita Hill, na época do alegado incidente, uma funcionária subalterna, estavam em jogo, nesses argumentos, também questões de classe social.
A questão da culpa ou da inocência do juiz Thomas não está em discussão aqui; o que está em discussão é o "jogo de identidades" e suas conseqüências políticas. Consideremos os seguintes elementos:

As identidades eram contraditórias. Elas se cruzavam ou se "deslocavam" mutuamente.
As contradições atuavam tanto "fora", na sociedade, atravessando grupos políticos estabelecidos, 'quanto' "dentro" da cabeça de cada indivíduo.
Nenhuma identidade singular - por exemplo, de classe social - podia alinhar todas as diferentes identidades com uma "identidade mestra", única, abrangente, na qual se pudesse, de forma segura, basear uma política. As pessoas não identificam mais seus interesses sociais exclusivamente em termos de classe; a classe não pode servir como um dispositivo discursivo ou uma categoria mobilizadora através da qual todos os variados interesses e todas as variadas identidades das pessoas possam ser reconciliadas e representadas.
De forma crescente, as paisagens políticas do mundo moderno são fraturadas dessa forma por identificações rivais e deslocantes - advindas, especialmente, da erosão da "identidade mestra" da classe e da emergência de novas identidades, pertencentes à nova base política definida pelos novos movimentos sociais: o feminismo, as lutas negras, os movimentos de libertação nacional, os movimentos antinucleares e ecológicos (Mercer, 1990).
Uma vez que a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, a identificação não é automática, mas pode ser ganhada ou perdida. Ela tornou-se politizada. Esse processo é, às vezes, descrito como constituindo uma mudança de uma política de identidade (de classe) para uma política de 'diferença'.
Posso agora esquematizar, de forma breve, o restante do livro. Em primeiro lugar, vou examinar, de uma forma um pouco mais profunda, como o conceito de identidade mudou: do conceito ligado ao sujeito do Iluminismo para o conceito sociológico e, depois, para o do sujeito "pós-moderno". Em seguida, o livro explorará aquele aspecto da identidade cultural moderna que é formado através do pertencimento a uma cultura 'nacional' e como os processos de mudança - uma mudança que efetua um deslocamento - compreendidos no conceito de "globalização" estão afetando isso.

("Identidade Cultural na Pós-modernidade" - p. 67-76)

cap. 4) Globalização

O capítulo anterior questionou a idéia de que as identidades nacionais tenham sido alguma vez tão unificadas ou homogêneas quanto fazem crer as representações que delas se fazem. Entretanto, na história moderna, as culturas nacionais têm dominado a "modernidade" e as identidades nacionais tendem a se sobrepor a outras fontes, mais particularistas, de identificação cultural.
O que, então, está tão poderosamente deslocando as identidades culturais nacionais, agora, no fim do século XX? A resposta é: um complexo de processos e forças de mudança, que, por conveniência, pode ser sintetizado sob o termo "globalização". Como argumenta Anthony McGrew (1992), a "globalização" se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado. A globalização implica um movimento de distanciamento da idéia sociológica clássica da "sociedade" como um sistema bem delimitado e sua substituição por uma perspectiva que se concentra na "forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço" (Giddens, 1990, p. 64). Essas novas características temporais e espaciais, que resultam na compressão de distâncias e de escalas temporais, estão entre os aspectos mais importantes da globalização a ter efeito sobre as identidades culturais. Eles são discutidos com mais detalhes no que se segue.
Lembremos que a globalização não é um fenômeno recente: "A modernidade é inerentemente globalizante" (Giddens, 1990, p. 63). Como argumentou David Held (1992), os estados-nação nunca foram tão autônomos ou soberanos quanto pretendiam. E, como nos faz lembrar Wallerstein, o capitalismo "foi, desde o início, um elemento da economia mundial e não dos estados-nação. O capital nunca permitiu que suas aspirações fossem determinadas por fronteiras nacionais" (Wallerstein, 1979, p. 19). Assim, tanto a tendência à autonomia nacional quanto a tendência à globalização estão profundamente enraizadas na modernidade (veja Wallerstein, 1991, p.98).
Devemos ter em mente essas duas tendências contraditórias presentes no interior da globalização. Entretanto, geralmente se concorda que, desde os anos 70, tanto o alcance quanto o ritmo da integração global aumentaram enormemente, acelerando os fluxos e os laços entre as nações. Nesta e na próxima seção, tentarei descrever as conseqüências desses aspectos da globalização sobre as identidades culturais, examinando três possíveis conseqüências:

h As identidades nacionais estão se desintegrando, como resultado do crescimento da homogeneização cultural do e do "pós-moderno global".
h As identidades nacionais e outras identidades e outras identidades "locais" ou particulares estão sendo reforçadas pela resistência à globalização.
h As identidades nacionais estão em declínio, mas novas identidades __ híbridas __ estão tomando seu lugar.

a) compressão tempo-espaço e a identidade

Que impacto tem a última fase da globalização sobre as identidades nacionais? Uma de suas características principais é a "compressão espaço-tempo", a aceleração dos processos globais, de forma que se sente que o mundo é menor e as distâncias mais curtas, que os eventos em um determinado lugar têm um impacto imediato sobre pessoas e lugares situados a uma grande distância. David Harvey argumenta que:

À medida que o espaço se encolhe para se tornar uma aldeia "global" de telecomunicações e uma "espaçonave planetária" de interdependências econômicas e ecológicas __ para usar apenas duas imagens familiaares e cotidianas __ e à medida em que os horizontes temporais se encurtam até ao ponto em que o presente e tudo que existe, temos que aprender a lidar com um sentimento avassalador de compressão de nossos mundos espaciais e temporais (Harvey, 1989, p. 240).

O que é importante para nosso argumento quanto ao impacto da globalização sobre a identidade é que o tempo e o espaço são também as coordenadas básicas de todos os sistemas de representação. Todo meio de representação - escrita, pintura, desenho, fotografia, simbolização através da arte ou dos sistemas de telecomunicação - deve traduzir sue objeto em dimensões espaciais e temporais. Assim, a narrativa traduz os eventos numa seqüência temporal "começo-meio-fim"; os sistemas visuais de representação traduzem objetos tridimensionais em duas dimensões. Diferentes épocas culturais têm diferentes formas de combinar essas coordenadas espaço-tempo. Harvey contrasta o ordenamento racional do espaço e do tempo da Ilustração (com seu senso regular de ordem, simetria e equilíbrio) com as rompidas e fragmentadas coordenadas espaço-tempo dos movimentos modernistas do final do século XIX e início do século XX. Podemos ver novas relações espaço-tempo sendo definidas em eventos tão diferentes quanto a teoria da realidade de Einstein, as pinturas cubistas de Picasso e Braque, os trabalhos dos surrealistas e dos dadaístas, os experimentos com o tempo e a narrativa nos romances de Mracel Proust e James Joyce e o uso de técnicas de montagem nos primeiros filmes de Vertov e Eisenstein.
No capítulo 3 argumentei que a identidade está profundamente envolvida no processo de representação. Assim, a moldagem e a remoldagem de relações espaço-tempo no interior de diferentes sistemas de representação têm efeitos profundos sobre a forma como as identidades são localizadas e representadas. O sujeito masculino, representado nas pinturas do século XVIII, no ato de inspeção de sua propriedade, através das bem-reguladas e controladas formas espaciais clássicas, no crescente georgiano (Bath) ou na residência de campo inglesa (Blenheim Palace), ou vendo a si próprio nas vastas e controladas formas da Natureza de um jardim ou parque formal (Capability Brown), tem um sentido muito diferente de identidade cultural daquele do sujeito que vê a "si próprio/a" espelhado nos fragmentos e fraturados "rostos" que olham dos planos e superfícies partidos de uma das pinturas cubistas de Picasso. Todas as identidades estão localizadas no espaço e no tempo simbólico. Elas têm aquilo que Edward Said chama de suas "geografias imaginárias" (Said, 1990): suas "paisagens" características, seu senso de "lugar", de "casa/lar", ou heimat, bem como suas localizações no tempo __ nas tradições inventadas que ligam passado e presente, em mitos de origem que projetam o presente de volta ao passado, em narrativas de nação que conectam o indivíduo a eventos históricos nacionais mais amplos, mais importantes.
Podemos pensar isso de uma outra forma: nos termos daquilo que Giddens (1990) chama de separação entre espaço e lugar. O "lugar" é específico, concreto, conhecido, familiar, delimitado: o ponto de práticas sociais específicas que nos moldaram e nos formaram e com as quais nossas identidades estão estreitamente ligadas:

Nas sociedades pré-modernas, o espaço e o lugar eram amplamente coincidentes, uma vez que as dimensões espaciais da vida social eram, para a maioria da população, dominadas pela "presença" __ por uma atividade localizada... A modernidade separa, cada vez mais, o espaço do lugar, ao reforçar relações entre outros que estão "ausentes", distantes (em termos de local), de qualquer interação face-a-face. Nas condições da modernidade..., os locais são inteiramente penetrados e moldados por influências sociais bastante distantes deles. O que estrutura o local não é simplesmente aquilo que está presente na cena; a "forma visível" do local oculta as relações distanciadas que determinam sua natureza (Giddens, 1990, p. 18).

Os lugares permanecem fixos; é neles que temos "raízes". Entretanto, o espaço pode ser "cruzado" num piscar de olhos __ por avião a jato, por fax ou por satélite. Harvey chama isso de "destruição do espaço através do tempo" (1989, p. 205).

em direção ao pós-moderno global?

Alguns teóricos argumentam que o efeito geral desses processos globais tem sido o de enfraquecer ou solapar formas nacionais de identidade cultural. Eles argumentam que existem evidências de um afrouxamento de fortes identificações com a cultura nacional, e um reforçamento de outros laços e lealdades culturais, "acima"e "abaixo" do nível do estado-nação. As identidades nacionais permanecem fortes, especialmente com respeito a coisas como direitos legais e de cidadania, mas as identidades locais, regionais e comunitárias têm se tornado mais importantes. Colocadas acima do nível da cultura nacional, as identificações "globais" começam a deslocar e, algumas vezes, a apagar, as identidades nacionais.
Alguns teóricos culturais argumentam que a tendência em direção a uma maior interdependência global está levando ao colapso de 'todas' as identidades culturais fortes e está produzindo aquela fragmentação de códigos culturais, aquela multiplicidades de estilos, aquela ênfase no efêmero, no flutuante, no impermanente e na diferença e no pluralismo cultural descrita por Kenneth Thompson (1992), mas agora numa escala global __ o que poderíamos chamar de pós-moderno global. Os fluxos culturais, entre as nações, e o consumismo global criam possibilidades de "identidades partilhadas" - como "consumidores" para os mesmos bens, "clientes" para os mesmos serviços, "públicos" para as mesmas mensagens e imagens - entre pessoas que estão bastante distantes umas das outras no espaço e no tempo. À medida em que as culturais nacionais tornam-se mais expostas a influências externas, é difícil conservar as identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do bombardeamento e da infiltração cultural.
As pessoas que moram em aldeias pequenas, aparentemente remotas, em países pobres, do "Terceiro Mundo", podem receber, na privacidade de suas casas, as mensagens e imagens das culturas ricas, consumistas, do Ocidente, fornecidas através de aparelhos de TV ou de rádios portáteis, que as prendem à "aldeia global" das novas redes de comunicação. Jeans e abrigos __ o "uniforme" do jovem na cultura juvenil ocidental __ são tão onipresentes no sudeste da Ásia quanto na Europa ou nos Estados Unidos, não só devido ao crescimento da mercantilização em escala mundial da imagem do jovem consumidor, mas porque, com freqüência, esses itens estão sendo realmente produzidos em Taiwan ou em Hong Kong ou na Coréia do Sul, para as lojas finas de Nova York, Los Angeles, Londres ou Roma. É difícil pensar na "comida indiana" como algo característico das tradições étnicas do subcontinente asiático quando há um restaurante indiano no centro de cada cidade da Grã-Bretanha.
Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas __ desalojadas __ de tempos, lugares, histórias e tradições específicos parecem "flutuar livremente". Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece possível fazer uma escolha. Foi a difusão do consumismo, seja como realidade, seja como sonho, que contribuiu para esse efeito de "supermercado cultural". No interior do discurso do consumismo global, as diferenças e as distinções culturais, que até então definiam a identidade, ficam reduzidas a uma espécie de língua franca internacional ou de moeda global, em termos das quais todas as tradições específicas e todas as diferentes identidades podem ser traduzidas. Este fenômeno é conhecido como "homogeneização cultural".
Em certa medida, o que está sendo discutido é a tensão entre o "global" e o "local" na transformação das identidades. As identidades nacionais, como vimos, representam vínculos lugares, eventos, símbolos, histórias particulares. Elas representam o que algumas vezes é chamado de uma forma particularista de vínculo ou pertencimento. Sempre houve uma tensão entre essas identificações e identificações mais universalistas __ por exemplo, uma identificação maior com a "humanidade" do que com a "inglesidade" (Englishness). Esta tensão continuou a existir ao longo da modernidade: o crescimento dos estados-nação, das economias nacionais e das culturas nacionais continuam a dar um foco para a primeira; a expansão do mercado mundial e da modernidade como um sistema global davam o foco para a segunda. No capítulo 5, que examina como a globalização, em suas formas mais recentes, tem um efeito sobre as identidades, pensaremos esse efeito em termos de novos modos de articulação dos aspectos particulares e universais da identidade ou de novas formas de negociação da tensão entre os dois.

Boa Leiutura!
Evandro Guimarães